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Solidariedade e Pudor

A crise mundial tem raízes que ultrapassam as camadas das cifras e dos índices econômicos e financeiros. Isso se comprova quando análises acuradas revelam o quanto burocratas e políticos têm responsabilidades determinantes na configuração da crise. As análises mostram que o povo paga um alto preço pelos representantes escolhidos. Algumas dessas escolhas são feitas à revelia da população, definidas pelos partidos, por exemplo. O povo também sofre com aqueles que têm um poder que não é legitimado pelo voto ou pela aprovação da maioria.

O entendimento das raízes dessa grave crise também tem tudo a ver com a falta de solidariedade e de pudor, tanto no exercício da cidadania quanto no cumprimento de responsabilidades assumidas. Quando se fala de pudor remete-se imediatamente à esfera da corporeidade e da sexualidade. Esse é um entendimento adequado. Porém, pudor tem a ver com o respeito devido à esfera existencial do próximo, com a capacidade de saber deter-se no limiar da casa alheia. Quando banido das diversas áreas do viver humano, gera prejuízos grandes. Todo ato de corrupção, seja qual for a sua medida, é consequência da falta de vergonha mora. E quando falta essa compostura o peso recai sobre os outros.

A falta de pudor na política é um desastre na busca de soluções visando ao bem comum. A fragilidade dos sistemas parlamentares é uma porta aberta para o atendimento de interesses corporativos, em detrimento do bem público. Sabe-se que os avanços tecnológicos, as novas configurações políticas e culturais no Ocidente, a partir da segunda metade do século 18, atingiram frontalmente o valor e o significado de pudor. O conceito passa a se referir fortemente à capacidade de olhar para dentro de si. Passa a ser, então, mais do que uma relação da pessoa com o outro. É também da pessoa consigo mesma, embora conte muito a mediação do outro.

Conclui-se que o pudor é, portanto, um elemento essencial, constitutivo da pessoa. Trata-se daquela indispensável vergonha moral, uma prerrogativa da condição existencial humana. A falta de pudor revela o comprometimento da vida interior, inclusive do patrimônio de valores que cada um guarda dentro de si. Perdida a vergonha moral, a pessoa experimenta um processo de esvaziamento de si mesma. É uma abdicação da dignidade, com uma conseqüente coisificação de si mesmo, um processo de despersonalização.

Deve-se reconhecer a importância ética desse sentimento enquanto se avalia a relação de cada pessoa consigo mesma, com os outros e com o mundo. A falta de pudor compromete o amor fraterno e atinge frontalmente a solidariedade. E atingida a solidariedade, a base para toda a ação, as atuações e intervenções buscarão somente o atendimento de interesses individuais. Na ausência da vergonha moral ocorre a destruição da solidariedade, que é um princípio social e uma virtude. A falta desse sentimento compromete o direito de toda pessoa, o exercício do poder como serviço à dignidade e à vida.

A solidariedade como princípio ético social é determinante na qualificação das relações humanas. A falta de pudor inviabiliza o entendimento e a vivência dessa solidariedade como virtude moral. A solidariedade, quando acatada e vivida, contribui para um consequente ordenamento justo das instituições, constituindo um horizonte claro no balizamento da conduta humana.

O pudor resguarda a solidariedade como virtude social fundamental, ancorada na dimensão da justiça em busca do bem comum. Quando não se perde esse sentimento, evitando valer-se apenas do interesse particular, o bem do próximo conta de modo determinante. A expectativa pela aprovação da Ficha Limpa, o que deverá ser um caminho sem volta na Corte Suprema, é o mais contundente apelo para que faça valer a oralidade administrativa como princípio fundamental.

Nesse horizonte clarividente, por certo, será diferente o exercício do poder. Afinal, mais do que cifras e índices, o que contará é a credibilidade, uma característica de quem se pauta pela conduta ética e professa o princípio da solidariedade. A cidadania exige o pudor, efetivo caminho na superação de individualismos, para fazer valer a solidariedade.

 
  Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano da Arquidiocese de Belo Horizonte

Artigo publicado em 16/02/2013


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